domingo, novembro 05, 2006

“Nossa tragédia é uma tragédia da vida brasileira.”

Por Gabriela Carneiro

Escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes na década de 70, a peça Gota d´Água chegou novamente ao Rio através de uma montagem paulistana. Em formato de arena, a tragédia grega de Medéia é transportada para a Vila do Meio-Dia, um pobre conjunto habitacional carioca.
Condensado em pouco mais de duas horas, o enredo desenvolve-se a partir do insaciável desejo de vingança de Joana, abandonada com dois filhos por um Jasão sambista, o qual irá casar-se com a filha do poderoso Creonte, dono do tal conjunto.
O grupo aproveita as referências à religiosidade brasileira já existentes no original da peça e, num belo trabalho de expressão corporal, consegue inscrever a manifestação desses orixás e incorporações na incrível movimentação de Joana e nos pontos de macumba entoados em alguns momentos da apresentação.
Joana (Georgette Fadel) faz por merecer o papel originalmente destinado a Bibi Ferreira. Já no primeiro pé que ela pôs em cena, a transbordar angústia, ganhei um nó na garganta que, ao longo da peça, foi aliviado muitas vezes através de boas risadas. No entanto, o público destinava-se cada vez mais a uma catarse. Mesmo já conhecendo o enredo, inevitavelmente saí com uma grande facada, dilacerando-me do estômago aos olhos.
É humano, demasiadamente humano, do início ao fim. Entretanto, admito, é muito provável que uma mulher sinta com mais intensidade o drama principal, que leva Joana a dar cabo da própria e vida e da dos filhos. A intragável dor da traição, o cego desejo de vingança que acomete a personagem feminina renegada, o desespero de quem ama, de quem não tem amanhã nem por onde se impor. Seja pela condição de classe, seja pela condição de gênero.
Talvez alguns sintam falta dos arranjos originais, entretanto a direção musical banca a aposta alta. Além disso, exceto por Georgette, que é irretocável a peça inteira, senti-me incomodada com alguns momentos sérios de queda na evolução do texto. Entretanto, não há muito do que se reclamar, a montagem é ousada sim, mas bastante eficaz no que se propõe. No final das contas, saí com uma enorme vontade de voltar.
Há muito tempo não via uma peça ser ovacionada daquela forma, uma pena ter ficado em cartaz por somente duas semanas. Fica aqui o meu sincero aplauso.

Gota D´Água – Breviário

Ficha Técnica: Direção Geral: Heron Coelho Direção Musical: Alessandro PenezziElenco: Georgette Fadel, Cristiano Tomiossi, Alexandre Krug, José Eduardo Rennó, Daniela Duarte, Luciana Barros e Flávia Melman Músicos: Alessandro Pennezi e Miró Parma.